Avaliação: 6 estrelas (1 a 10)
Terminei de ver este filme e devo dizer que não foi "tão bom" quanto supostamente poderia ser. Esperava que a história me grudasse a atenção de uma forma hipnotizante, pensei que não me deixasse querer deixar de olhar e me envolvesse tanto, mas tanto, que sempre desejaria ver o que acontece a seguir. Tive estas sensações noutros filmes que vi antes deste, mas não com "12 anos escravo".
Penso que está overrated, sobrevalorizado. Como tanta vez acontece quando uma obra atrai pelo tema, pela sensibilidade ou pelo alarido em torno do artista que nela participa.
Não deixa, contudo, de ser uma boa história. Que atinge o "âmago" da ferida america - a escravidão NEGRA, mais ainda durante o período em que a América tem um Presidente negro, uma primeira-dama e uma família com duas filhotas. A América está a criar uma espécie de "ovo de columbo" com o tema. É engraçado, não são tão «sensíveis» com o tema dos índios - que praticamente exterminaram das amplas planícies. Dificilmente chegará a presidente um índio mas, dependendo bem das misturas ascedentais, nisto da política por vezes é mais valorizado a ascendência etnica que as competências*.
O filme em si está filmado a um ritmo que não me cativou. Cenas algo longas, algumas sem diálogo, só com um grande plano do rosto do ator principal, que só ali estão para servirem de espaço para o espetador divagar. São demasiadas divagações, são demasiadas cenas que se estendem por demasiado tempo que pretendem passar mensagens sem diálogos e são totalmente dispensáveis. E se formos a pensar com isenção, nada do que é visto no filme ainda não nos tinha sido apresentados em muitos e muitos outros com o mesmo tema.
Mas porquê divirjo? Porque tanto há a dizer sobre o tema que é a escravidão. E o principal que me apetece dizer é que me revolta a forma como esta tem vindo a ser retratada, década atrás de década, pela industria da ficção. Televisão, cinema, obras literárias... está a criar-se um tema "sensível" e a querer incutir sentimentos de culpa ou culpabilização de acordo com cores de pele. E isso me incomoda por diversos motivos. É uma reacção em cadeia e o que o cinema mostra é uma perspectiva - quase sempre a mesma, que faz com que as consciências pensem todas por igual, como a realidade fosse só o que o cinema mostra. Não é. Por vezes era muito pior, por vezes não era tão pior. Era livre de ser diferente conforme os casos - e é isso que escapa ao cinema, que pretende sempre um bom melodrama e tem um historial de distorcer factos reais com o único propósito de empolgar a inventada.
A escravidão não é, infelizmente, algo erradicado. MAS ALGUÉM PENSA NISTO quando vê mais um destes filmes?
Digam-me lá se estão a pensar no presente quando assistem a um filme que retrata a escravidão nestes moldes. O pior é que, os que pensam, não estão a trazer o que deviam para o presente. Os que pensam trazem rancor, ou culpa, baseada na cor da pele. Já assisti ao perpetuar de tudo o que está errado porque insistem em manter uma divisão de "cores de pele". E filmes que ainda retratam só este lado da escravidão, me incomodam por saber o quanto contribuem para manter esta divisão. Não devia, mas faz exatamente o que se devia combater. Incentiva ao ódio, faz mentes mais fracas achar que qualquer problema que tenham com alguém de certa "cor de pele" é prova de racismo e faz com que outras sejam realmente tratadas com desdém e desprezo pela cor de pele que carregam. Como se, historicamente, uns tivessem de "pagar" e a outros tivessem de ser pagos. Como se, alguém, actualmente, que não tenha passado por alguma espécie de privação mínima para que possa compreender o que poderá ser a escravidão, tivesse LEGITIMIDADE para tomar dores de outros, dores reais, tornando-as suas sem sequer saberem do quê se pretendem tornar «justiceiros», nem entendem que as «armas» escolhidas são as mesmas que infligiram sofrimento a todos os que, no passado, sofreram da injustiça da descriminação, aprisionamento, escravidão.
Divago, eu sei. Mas vou deixar ficar cada palavra que escrevi nestas linhas. Podem não estar muito concisas e certamente não estão sintetizadas. Mas falam algo. Algo que uns não conseguem ver.
Sobre a escravidão, ela nunca teve exclusividade de cor de pele. Mas mais importante do que perceber que ela não foi sempre discriminatória, é perceber que ela AINDA CONTINUA. Por aí, nestas muitas partes do mundo... quantos e quantos não são escravos? Jovens, crianças, velhos, brancos, amarelados, louros, morenos, africanos ou não africanos, a escravidão ainda continua e já existia até antes mesmo do ano de Cristo. Não é algo exclusivamente africana. Foi uma parte a determinada altura muito massacrada, mas focarem-se só em África é um desrespeito por todos os outros cotinentes e todas as outras regiões onde a escravatura também devastou famílias, destruiu regiões e exterminou povos inteiros. Isso me incomoda. Que se "enterre" o sofrimento de muitos, a perda de tantos, porque se foca nuns. E me incomoda, como disse, que hoje em dia, sabendo tudo o que sabemos, ainda se fazem de crianças e mulheres escravas sexuais e estas nem têm de ser pobres ou ignorantes, jovens mesmo de outras culturas mais desenvolvidas são atraídas sobre falsos argumentos e aprisionadas em situações de escravidão extrema. Uma escravidão terrível e sem qualquer respeito pela vida. Em muitos sentidos, em alguns casos, ainda existia alguma dignidade a alguns escravos no passado, que foram parar às mãos de pessoas que os viam como posses mas também tinham uma visão cristã sobre o semelhante. Ainda que os achassem inferiores e uma propriedade, também alguns tinham compaixão e atos caridosos. Os que viveram assim foram mais afortunados que as que hoje vivem escravizadas num bordel a ter de atender clientes que têm permissão para ir "bem longe" ou matar inclusive. As diferenças não existem. Nem vale a pena comparar o que é igual no núcleo. A liberdade é o nosso bem mais precioso. Acho que é o maior. Tendo a sorte de se ter saúde, a liberdade é a maior conquista de cada indivíduo. E nem todos somos livres. Na realidade, poucos ou nenhuns. Mas aqui falo de outro tipo de falta de liberdade. Uma que nada tem a ver com condicionalismos mas que permite escolhas. A falta de liberdade mais atroz é a que remove o indivíduo de qualquer identidade e vontade. Nenhuma decisão, nada é feito porque quer. Nem sequer se mexer, andar, sair de um canto para ir para o outro. A escravidão no passado é de recriminar mas a do presente é pior, porque está viva e se alimenta da passividade e da indiferença que nasce do desconhecimento da existência da mesma.
* (deve vir aí um presidente latino-americano, eleito principalmente por isso e mais nada).
* (deve vir aí um presidente latino-americano, eleito principalmente por isso e mais nada).